sábado, 3 de março de 2012

A vida da gente




Ana minha querida
Dizem que o amor acaba que o amor termina, mas não é verdade, nada acaba, tudo dura, continua e se transforma. Enquanto eu aguardava aquela cirurgia mil anos se passaram as duas estavam lá dentro e eu pensava, se acontecer alguma coisa com elas eu morro.
Dizem que passa um filme da nossa vida na nossa cabeça e por isso eu vi, vi vocês duas meninas chegando à nossa casa, vi nós três juntos ainda pequenos e tantos e tantos momentos, vi você levantando taças troféus, tua imagem na revista inacessível, distante da criança que eu era e que você era também, depois nossa fuga de casa e nosso medo e nossa coragem e o salto sem rede que tantas vezes se chama amor.
Vi você indo embora sendo levada de diferentes formas, tantas e tantas vezes, e depois vi você voltando e no fundo do seus olhos como num rio, tudo que a gente não tinha vivido, a partir dai eu me vi dividido entre dois amores, entre duas vidas. Uma que eu tava vivendo e outra que eu jamais tinha podido viver. Durante meus piores momentos enquanto eu aguardava naquela sala, como se a doença da nossa filha tivesse me curado eu entendi que não tinha mais divisão nenhuma, o que tinha sido vivido que tinha ficado pra trás tudo, era parte de uma mesma historia de uma mesma vida e de um mesmo sentimento, amor. E foi então que eu vi nós dois juntos cruzando a fronteira.
Como se eu tivesse alcançado o outro lado da margem de um rio, o rio onde a gente se amou pela primeira vez, o rio do acidente, mas sempre um rio. 
É porque naquele momento eu precisava ser forte finalmente sem escapes, eu consegui atravessar aquele rio eterno, como se num instante eu tivesse vivido todos os anos que ainda estavam parados em mim me esperando do outro lado da fronteira que sem perceber nos já tínhamos cruzado, uma infância compartilhada, uma adolescência truncada, uma juventude não vivida, do lado de cá dois adultos maduros, finalmente libertos daquele fardo pesado, feito de lembranças de sonhos antigos porque há novos sonhos do lado de cá da fronteira e agora podemos viver. 

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