terça-feira, 27 de julho de 2010

O gorila invisível

O gorila invisível Depois de "ganhar" o IgNobel em 2004, um prêmio pelas pesquisas aparentemente mais despropositadas do mundo, psicólogos norte-americanos avançam com estudo sobre a atenção humana e mostram como as pessoas, muitas vezes, não conseguem perceber o que ocorre bem à sua frente






Paloma Oliveto
Publicação: 25/07/2010 09:26 Atualização: 25/07/2010 09:38

No vídeo, há dois times de basquete. Ao espectador, é pedida uma tarefa simples: contar quantas vezes os jogadores da equipe de branco trocam a bola entre eles. Na metade do filme, um gorila invade a cena durante nove segundos e, olhando para a câmera, bate no peito. Quando se pergunta às pessoas se, confrontadas com essa cena, elas perceberiam a interferência do primata, é certo que todas vão dizer que, sem dúvida, o notariam. Afinal, parece óbvio que ninguém deixaria passar uma cena como essa. Isso, porém, não é verdade. O teste realmente ocorreu nos Estados Unidos, e nada menos que a metade dos espectadores não se deu conta da presença do gorila.

O vídeo ficou famoso não só entre o público mas, na década de 1990, tornou-se um ícone das pesquisas em psicologia. Padres, professores, caçadores de terroristas e profissionais de recursos humanos passaram a usá-lo em dinâmicas de grupo. Até o seriado policial C.S.I mencionou o experimento em um episódio. A ideia era mostrar quão falha é a atenção humana. Mesmo quando algo completamente inesperado ocorre, a pessoa é capaz de não perceber algo que acontece bem na frente dela.

A experiência foi realizada pelos psicólogos Christopher Chabris e Daniel Simons, que se conheceram na Universidade de Harvard, onde começaram a fazer testes científicos. Eles já foram motivo de piada — em 2004, receberam o prêmio Ig Nobel em Psicologia — uma sátira ao Nobel —, que elege as pesquisas mais aparentemente sem nexo do mundo. A própria brincadeira, porém, reconheceu a importância do vídeo produzido pela dupla. Eles foram premiados por uma “realização que primeiro faz as pessoas rirem e, depois, as faz pensar”.

Chabris, Ph.D em Harvard e atualmente professor do Faculdade Schenectady, e Simons, também Ph.D e professor do Departmento de Psicologia da Universidade de Illinois, voltaram a se debruçar sobre o gorila invisível. O resultado do estudo foi publicado na primeira edição da nova revista especializada i-Perception, que aborda temas da psicologia. O experimento também virou um livro, The invisible gorilla, que será publicado no Brasil no próximo ano, e um site (www.theinvisiblegorilla.com).

Dessa vez, Chabris e Simons foram além. Eles queriam, novamente, provar que o ser humano não é tão atento como imagina. Assim como no vídeo anterior, uma equipe de jogadores aparece trocando a bola e o gorila irrompe na cena. As pessoas que assistiam sabiam que o primata estaria lá — elas já conheciam o filme da década de 1990, disponível no YouTube. O que os pesquisadores queriam era testar se, ao saber que um evento inesperado — no caso, a presença do macaco — está prestes a acontecer, o homem consegue detectar outras ocorrências imprevisíveis. Mais uma vez, as “pegadinhas” dos cientistas passaram despercebidas. “O estudo mostra que, mesmo quando sabemos que um evento inesperado pode ocorrer, continuamos perdendo coisas que estão acontecendo bem na nossa frente”, disse Simons em entrevista ao Correio.

Desatenção constante
No novo experimento, 76 indivíduos tiveram de assistir ao vídeo e foram instruídos a contar quantas vezes os jogadores de branco passaram a bola. Depois disso, responderam a outras perguntas: “Você percebeu algum evento inesperado durante o vídeo? Se sim, descreva; você já ouviu falar ou já assistiu a um filme como esse antes? Se sim, descreva o que aconteceu; no vídeo que você acabou de assistir, você percebeu algum desses fatos: uma pessoa vestida de gorila, uma pessoa vestida de pirata, uma pessoa vestida de coelho, uma mudança no cenário da cortina, uma mudança no número de jogadores, uma mudança no número de bolas e uma mudança na cor da bola?”

As perguntas não foram feitas sem propósito. De fato, algumas dessas coisas aconteceram no vídeo, enquanto os espectadores precisavam se concentrar no número de vezes em que os jogadores trocavam a bola. Embora o pirata, o coelho, a mudança de cor e a quantidade de bolas fossem pistas falsas, o cenário da cortina realmente foi alterado, assim como o número de jogadores.

Apenas três pessoas em toda a pesquisa conseguiram descrever a mudança na cortina ou a alteração na quantidade de jogadores. Dos 76 participantes, 26 já haviam assistido ou ouvido falar no primeiro vídeo e 50 desconheciam completamente a entrada do gorila. Depois de Simons excluir 12 pessoas por terem contado errado o número de passes ou terem reportado um evento que não aconteceu, o grupo de pesquisa caiu para 56 participantes. Desses, 41 não conheciam o primeiro filme do gorila invisível. Entre eles, 46% não perceberam a presença do primata, enquanto que 100% dos que já tinham assistido ao vídeo anterior detectaram a aparição do macaco. Nos dois grupos, 11% perceberam a mudança na cortina e 16% viram que o número de jogadores do time vestido de preto mudou. Mas somente um participante foi capaz de detectar os dois eventos.

Outra constatação dos pesquisadores foi a de que, apesar de as pessoas que já sabiam da aparição do gorila terem, obviamente, percebido melhor a presença do macaco, elas foram menos capazes de prestar atenção nos outros eventos inesperados, comparando-se às que não sabiam que o personagem iria invadir a cena. “Observando apenas os 23 indivíduos em cada grupo que percebeu o gorila, os que não tinham familiaridade com a imagem foram duas vezes mais capazes de perceber os outros acontecimentos. Isso sugere que o conhecimento de que um evento pode ocorrer não aumenta a concentração das pessoas de modo que possam detectar outras coisas inesperadas”, diz o estudo.

Segundo Simons, na vida real isso quer dizer que o ser humano pensa que consegue captar tudo que ocorre à sua volta e não tem noção do quanto pode ser desatento. “Isso pode explicar por que as pessoas continuam dirigindo e falando ao celular ao mesmo tempo, mesmo que isso reduza dramaticamente suas chances de perceber eventos inesperados na pista”, afirma Simons.


 - (Arquivo Pessoal)
Três perguntas para David Simons

O que esse estudo revela sobre a intuição humana?
Em nosso livro (The invisible gorilla, que será editado no Brasil em 2011), discutimos o que chamamos de ilusão da atenção. As pessoas acreditam firmemente que vão perceber qualquer evento inesperado que ocorrer na frente delas. Nós acreditamos que olhar para algo já garante que conseguiremos notá-lo. Infelizmente, essa intuição está errada. As pessoas geralmente falham ao perceber eventos inesperados, mesmo quando estão olhando para eles. Uma razão de termos essa falsa intuição sobre como nosso cérebro trabalha é que nossa experiência do dia a dia nos leva a essa conclusão errada. Mas só nos tornamos atentos quando, de fato, o percebemos. Como resultado, acreditamos que conseguimos notar todos os eventos inesperados que acontecem à nossa volta. Muito da nossa intuição sobre como a mente trabalha está errada, da mesma forma. Nosso livro faz distinção de seis situações cotidianas nas quais passamos pela ilusão da atenção e o que fazemos é tentar explicar como e por que essas intuições estão erradas.

Qual é a aplicação prática do estudo que o senhor publicou no periódico especializado I-Perception?
O estudo mostra que, mesmo quando sabemos que um evento inesperado pode ocorrer, continuamos perdendo coisas que estão acontecendo bem na nossa frente. Saber que um vídeo foi gravado justamente para nos mostrar como podemos não perceber esses eventos inesperados não nos ajuda a prestar atenção em outros fatos que também não estamos esperando. O estudo é mais uma demonstração de como nossa intuição sobre a atenção pode errar. O fato de as pessoas não perceberem quão limitada é sua atenção pode significar que elas frequentemente vão assumir que só estão atentas para o que de fato importa. Isso pode explicar por que as pessoas continuam dirigindo e falando ao celular ao mesmo tempo, mesmo que isso reduza dramaticamente suas chances de perceber eventos inesperados na pista.

Apesar de não sermos capazes de detectar eventos inesperados, nosso inconsciente os percebe?
Essa é uma questão importante e que ainda está aberta ao debate. Nosso inconsciente, na verdade, não percebe alguma coisa, já que perceber implica estar atento. É mais como um processo mental. É possível, e de fato há algumas evidências de que palavras não vistas podem ativar algum processo cerebral mesmo quando as pessoas não se lembrem delas ao verem novamente. Isso quer dizer que, se realmente esse efeito do inconsciente existe, ele será muito pouco relevante em termos práticos.

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