segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Uma leitura médica de Sherlock Holmes

Tentei traduzir uma grande parte do artigo de Lisa Sanders sobre Sherlock Holmes, para dividir com vocês essa análise muito rica, onde se pode diagnosticar no detetive bipolaridade, autismo assim como o uso de drogas. Podem encontrar o artigo completo em espanhol aqui.

[...] A primeira vez que entrei em contato com essa estranha dupla foi no colégio secundário. Faz pouco voltei a submergir nos meus gastos livros desses notáveis relatos, mas desta vez não pude evitar observar a Sherlock Holmes com os olhos de um médico. O que vi foi o que qualquer médico veria: um paciente. No meu caso, a pergunta foi: Podia diagnosticar a estranha conduta de Sherlock Holmes?
Não há dúvidas que ele tem sintomas. Parece ignorar os ritmos e cortesias das relações sociais normais, não conversa senão pontifica. Seus conhecimentos e interesses são profundos mas escassos. Tem um peculiar sangue frio, o que talvez seja a causa de também estar só no mundo. Não tem mais amigos além do extremadamente tolerante Watson. Um irmão, ainda mais estranho e isolado que ele, é sua única família. Arthur Conan Doyle expulsou algum tipo de enfermidade mental ou de transtorno de personalidade genético que havia observado ou Holmes era só um personagem interessante que criou do nada?
Conan Doyle estudou medicina na Universidade de Edimburgo, uma das faculdades médicas mais prestigiadas do mundo. Tinha um bom olho para detectar as sutis manifestações das doenças, e seus relatos estão cheios de descrições médicas de grande precisão. O alcoolismo de um homem que gozava antes de boa saúde se vê em “Toque vermelho no nariz e maçã do rosto”, em “e leve tremor da mão estendida”. Em outro relato, as contorções de um corpo – os membros “retorcidos de forma fantástica”, os músculos “duros com uma tábua (...), que excediam e muito o rigor mortis habitual” – que permite a Watson ( e seus leitores médicos) diagnosticar um envenenamento por estricnina.
Estima-se que Conan Doyle foi um dos primeiros a descrever uma doença hereditária que agora se conhece com o nome de síndrome de Marfán. A síndrome que aparece pela primeira vez na literatura médica em 1896, graças ao pediatra francês Antoine Marfán, se caracteriza por uma estrutura física alta e magra, problemas oculares e tendências a desenvolver aneurismas de aorta em idade precoce. A ruptura do vaso dilatado que transporta o sangue do coração ao resto do organismo é a causa da morte mais comum entre os que padecem desse transtorno, e até pouco poucos viviam mais de quarenta anos. Se descreve a Jefferson Hope, o assassino vingador da primeira narrativa de Conan Doyle, como um homem alto de trinta e tantos anos que mata a quem responsabiliza pela morte da mulher que amava. Quando por fim o detêm, pede a Watson que lhe coloque a mão sobre o peito. Watson mostra que tomou consciência de imediato das pulsações e a comoção extraordinária que havia no seu interior. A caixa torácica parecia agitar-se e tremer como faria uma construção fraca a colocar-se em marcha um motor poderoso. No silêncio do quarto ouvia um zumbido que procedia da mesma fonte. Watson sabe naquele instante o que significa isto. “Você tem um aneurisma de aorta!”
É possível que ao retratar a Holmes, Conan Doyle tenha criado uma síndrome psiquiátrica familiar até então desconhecida? Tanto admiradores como acadêmicos aventuraram muitos diagnósticos, disse Leslie Klinger, editor da versão mais completa dos relatos de Sherlock Holmes. Klinger se inclina por um diagnostico de transtorno bipolar, que se embasa nas oscilações do detetive entre a hiperatividade e a energia frenética – a principio acompanhados de uma conduta extravagante e ostentosa – que alternam com períodos de profunda depressão. Se bem é certo que Holmes não dormia durante vários dias quando estava imerso em um caso, sua mudança de estado de animo parecem depender de seu trabalho. Quando trabalhava estava elétrico. Se não tinha nada para fazer se colocava melancólico. O consumo de drogas podia ser a causa das mudanças anímicas, mas usava cocaína quando estava ocioso e deprimido, não quando estava ocupado e animado.
Outros, diz Klinger, sugerem que Sherlock Holmes pode ter tido uma forma leve de autismo que denominam síndrome de Asperger. O pediatra austríaco Hans Asperger informou na literatura médica sobre esse transtorno em 1944. Descreveu quatro crianças brilhantes e coerentes que tinham graves problemas de interação social e tendiam a concentrar-se de forma muito intensa em determinados objetos ou temas. O trabalho de Asperger perdeu forças durante mais de quarenta anos, mas em 1994 a síndrome de Asperger formava parte do léxico psiquiátrico oficial. O diagnostico pode estar incorporado ao autismo no próximo DSM, mas sem duvida a descrição que fez de Asperger desses homens jovens de grande concentração e incapazes no plano social teve grande ressonância entre os pais, que reconheceram a mesma em seus filhos.
É possível que Conan Doyle tenha escrito sobre a síndrome uns setenta anos antes que Asperger? Segundo Ami Klin, diretor do programa de autismo do Centro de Estudos Infantis de Yale, que forma parte da faculdade de medicina, a principal característica que define todas as formas de autismo é a “cegueira mental”, a dificuldade para entender o que os demais sentem ou pensam, por tanto, para relacionar-se. Ignorantes de como vêem os outros, quem padece da síndrome de Asperger a principio tem um comportamento estranho e tendem a desenvolver um vasto conhecimento de temas muito pontuais.

No retrato que pinta Conan Doyle, Holmes apresenta por momentos todas as características. Sua interação com os demais soa ser direta até o ponde da descortesia, incluindo quando se fala de Watson, seu melhor amigo, os elogios que dedica soam raiar insultos. Em O Mastim dos Baskerville, quando Watson, complacente de suas próprias habilidades detetivescas, informa a Holmes sobre os resultados de sua investigação este lê diz que não é uma fonte de luz senão um condutor de luz, um mero ajudante.

Quanto a seus interesses, Holmes se gaba com freqüência de seus minuciosos conhecimentos de todo tipo de fenômeno estranho. Diz que escreveu um estudo sobre as diferenças entre cento e quarenta tipos de cinza de cigarros, cachimbo. É um exemplo do que Asperger chamava de “inteligência autista”, a capacidade de ver o mundo a partir de uma perspectiva muito diferente da maioria das outras pessoas, concentrando-se em detalhes que os demais evitam. Holmes se envaidece de poder perceber a importância de detalhes e o chama de método.

De onde sai essa imagem, então? Os biógrafos falam de uma serie de pessoas as quais Conan Doyle pode ter baseado para o personagem de Holmes, mas nenhuma tem o conjunto dessas características. Era um paciente? Um amigos da família? Um companheiro de estudos que não entrou nas biografias? Quem sabe nunca saberemos, mas é evidente que as peculiaridades de Holmes tem um atrativo permanente.


2 comentários:

  1. Acabaram de me passar seu link e vim correndo ler. É realmente muito curioso o Doyle ter feito um personagem com características que remetem a doenças. De fato, como médico, ele estava em contato com pessoas das mais várias moléstias diariamente e ter feito de uma dessas doenças um personagem que marcou a literatura foi incrível.
    Aliás, vou mais além, acho que nem o dr. Watson é alguém saudável, pois dá para ver a sua baixa alto estima e o como ele se desacredita facilmente.
    Adorei a postagem. :D

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  2. Que legal, Ana, também acho o mesmo sobre Dr. Watson. ^^

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